sábado, 6 de agosto de 2016

                                                                  A VERDADEIRA HISTORIA 
                                                             DE CORAGEM O CÃO COVARDE
O cenário não poderia ser mais desolador: uma velha casa localizada no meio do nada em um lugar geograficamente semelhante a um deserto. Vizinhos? Nenhum. A casa? Parece estar abandonada, mas na verdade habitam nela um casal de idosos com um cachorrinho. Como se não bastasse, coisas estranhas acontecem neste lugar que frequentemente é visitado (ou assombrado se preferir) pelos mais bizarros e perigosos seres que qualquer mente pudesse imaginar. Tal enredo poderia ser de um bom filme de terror, mas na verdade, pertence ao desenho animado Coragem – o Cão Covarde (Courage, the Cowardly Dog), que teve sua exibição pelo Cartoon Network e pelo SBT, e é indiscutivelmente muito engraçado, mas ao mesmo tempo também possui algumas características bem macabras e que, pela simplicidade das suas histórias, faz grande sucesso tanto para o público infantil quanto para o adulto, em especial aquele fã de filmes de terror.

O desenho conta as aventuras de um cachorrinho cor de rosa chamado Coragem, que foi adotado ainda filhote pela doce senhora Muriel, que mora com seu marido resmungão Eustácio, em Lugar Nenhum, um local isolado de qualquer contato com outro ser humano e cenário de aparições das mais diversas e estranhas criaturas. De sombras misteriosas até alienígenas das mais diferentes espécies, espantalhos, médicos loucos, gatos psicopatas e até verduras vivas, são apenas alguns dos visitantes que já apareceram em Lugar Nenhum, com o objetivo de matar, abduzir, dissecar ou sequestrar os habitantes de lá.

Diante desta quantidade de seres sobrenaturais, Coragem, que na verdade consegue ter medo até de uma formiga, precisa passar pelas mais perigosas situações para evitar o pior e salvar sua amada dona Muriel. Criado pelo norte-americano John R. Dilworth, que escreveu, dirigiu e foi produtor executivo do desenho, a primeira temporada de Coragem teve sua estreia em 12 de novembro de 1999, no Cartoon Network com 26 episódios. O sucesso foi tanto que, Coragem – o Cão Covarde, logo estava sendo exibido em outros países e ganhou mais três temporadas. pg1

O desenho faz sucesso até hoje pelo seu contexto simples, do cachorro medroso que precisa salvar sua dona e para isso passa pelas situações mais perigosas e cômicas. Além disto, as histórias mirabolantes, personagens extremamente fáceis de simpatizar e alto teor cômico ajudaram no sucesso da trama. No entanto, através de uma segunda observação, é perceptível encontrar no desenho um leve e sutil teor voltado para um estilo macabro dentro das aventuras do cachorrinho rosa. Afirmar que o desenho seria voltado para o suspense ou o terror soaria extremamente falso e sepultaria o objetivo da obra que é o de divertir e entreter a quem assista. Tal lado macabro na verdade acabou por dar uma identidade própria à série.

Mas quais seriam estes pontos macabros de Coragem – o Cão Covarde? Começando pela área onde a ação acontece chamada Lugar Nenhum ser plana, vazia e estéril, com uma casa perdida no meio do nada. Seja durante o dia ou de noite, o local possui um ar de mistério e de estranheza. No meio deste deserto, está a casa onde Coragem mora com seus donos. A primeira impressão a se ver o imóvel no meio de Lugar Nenhum é que se chegou à casa de canibais de O Massacre da Serra Elétrica original (The Texas Chain Saw Massacre, 1974). Toda de madeira e com diversas janelas, a construção também é digna de uma produção do gênero, colocando para trás muitas outras casas de filmes que se propõem a assustar.

Os vilões da série merecem destaque no quesito morbidez. Seria impossível enumerar todos os seres estranhos e sobrenaturais que já estiveram em Lugar Nenhum. Para desespero de Coragem, em cada episódio são mostradas criaturas diferentes, em todos os aspectos possíveis, de dragões até casas vivas que cantam (!!!). O destaque vai justamente para a criação de cada um destes seres, alguns dos quais chegam realmente a meter medo. Alguns ganham destaque pelo tipo de produção que recebem, como quando Muriel recebe a visita de um louco que diz ser seu sobrinho chamado Fred Esquisitão. Para tal personagem, foi criada uma trilha sonora bastante macabra que conta com vozes de crianças, algo que lembra o tema de Poltergeist – O Fenômeno (Poltergeist, 1982).

Quando questionado sobre esse lado sobrenatural e cheio de mistérios de Coragem, o seu criador John R. Dilworth explica que todos os desenhos animados possuem essa característica de poder explorar outros universos sem se preocupar com lógica ou física. “Coragem – o Cão Covarde é um desenho para todas as crianças, inclusive as esquisitas. É como uma Lassie drogada ou um Arquivo X (The X Files) com menos raios. Em outras palavras, ótimo para os adultos“, explica Dilworth respondendo ao fato da série também agradar ao público mais velho.


Desde o lançamento de Coragem, em 1999, e seu forte sucesso no decorrer dos anos, que surgem comentários de uma adaptação para o cinema. Tal proposta nunca passou de boato, mas realmente seria interessante ver o medroso cachorrinho na tela grande, seja em desenho ou até numa produção envolvendo atores e um cão digital. Supondo que tal projeto um dia fosse produzido e tivesse um resultado positivo, não seria incomum ver nas filas um bando de marmanjos e mulheres fãs de filmes de terror e que vêem em Coragem uma trama divertida e que de alguma forma, lembra estes bons filmes.




Coragem, o Cão Covarde: O episódio perdido (Dead Fred)


Eu estava fora de casa até tarde da noite, voltando para casa de um jantar com minha família. Minha caminhada de volta para casa fez com que eu passasse do lado do cemitério local, e com isso, eu decidi visitar o túmulo de um amigo meu recentemente falecido. Foi bastante assustador passar por todas aquelas pedras e árvores escuras no meio daquele mar de sepulturas, mas mesmo assim, eu queria que pagar meus respeitos a ele.
Se ao menos eu não tivesse feito isso… Se eu tivesse continuado dirigindo naquela noite, chegado em casa e entrado debaixo das cobertas… Mas eu não fiz isso. Eu estava um pouco bêbado da festa, e andar por um cemitério sozinho naquela noite escura e fria se registrava em minha cabeça como uma boa ideia.
Eu finalmente encontrei o túmulo, tropeçando no meio do escuro. Ao encontrar o tumulo, aquela pedra lisa que anunciava a partida de meu amigo, fiquei muito surpreso ao encontrar um CD lá no meio das flores.
O disco não tinha uma etiqueta profissional; era o tipo de CD que você poderia comprar em qualquer lugar, aquele em que se pode queimar e gravar coisas dentro. Estava dentro de uma embalagem quadrada e plana, sem nenhuma escrita sobre o plástico transparente. As únicas palavras foram rabiscadas no autocolante branco do CD. Usando o meu celular para iluminar o CD, eu li as duas palavras rabiscadas lá.
Elas diziam “Dead Fred”.
O que realmente me deixou perplexo foi a caligrafia; era claramente a do meu amigo. Ele costumava ser dono de uma locadora, com centenas de velhas fitas VHS que não podiam mais ser encontradas em qualquer outro lugar. Ele escrevia os títulos dos filmes à mão, e pareciam ser iguaizinhos à do título do disco… E, depois de seu recente suicídio, sua carta havia sido encontrada, coberta com os mesmos rabiscos.
Intrigado, eu me perguntei quem havia deixado aquilo ali. Eu não tinha visto ninguém com aquilo no funeral.
Lágrimas começaram a queimar meus olhos. Eu sentia tanta falta do meu amigo, e este CD deveria ter sido algo muito importante para ele, para estar em seu túmulo deste jeito. Então, por que ele não me disse nada sobre isso? Nós dizíamos tudo um ao outro. Não era certo ele guardar o segredo somente para si mesmo, levando-o para a sepultura.
Como ele ousa me deixar de fora?
Em um ataque bêbado de fúria, eu tirei as lágrimas dos meus olhos e sai do cemitério com o CD nas mãos.
Só mais tarde, quando eu cheguei em casa e já estava colocando o disco em meu computador, percebi que eu havia feito. Eu havia tirado algo da sepultura de meu melhor amigo, algo que eu não sabia nada sobre. Aquilo não era certo; era muito pior do que ele ter guardado segredos de mim.
Amargamente, eu já estava indo tirar o disco antes que os menus e todas aquelas outras frescuras aparecessem na tela quando, inesperadamente, um vídeo se abriu.
Isso me surpreendeu por duas razões: primeiro, porque eu pensava que o CD só tinha imagens, áudios ou arquivos de texto. Nem passou pela minha cabeça que aquilo poderia ser um vídeo. E segundo, porque o computador não me perguntou nada se eu queria abrir o vídeo com tal programa… Ele simplesmente começou a passar.
Era um episódio de Coragem, o Cão Covarde; o desenho favorito de meu amigo. Eu realmente não gostava muito daquele desenho, porque o achava muito perturbado. Eu só havia assistido a primeira temporada, ou algo assim. Então, quando o título “Dead Fred (Fred Morto)” apareceu sombriamente na tela, eu não sabia que havia algo errado. Eu já tinha visto o episódio original “(Fred Esquisitão [Freaky Fred])” com o meu amigo uma vez, e eu achei que esse era apenas mais um episódio estrelado pelo problemático e poético barbeiro.
Enojado comigo mesmo por ter colocado o disco, eu fui fechar o vídeo, apenas para descobrir que o meu cursor do mouse estava congelado. Os botões do teclado também não deram nenhum resultado, então eu relutantemente aumentei o volume de meus alto-falantes e comecei a assistir ao vídeo.
Começou exatamente como “Fred Esquisitão”, com Fred no ônibus e Muriel arrumando a colcha amarela sobre a cama. Porem, Fred não estava recitando seu poema; na verdade, não havia aparentemente nenhum som tocando junto com o vídeo.
Eu pensei que aquele era apenas o episódio original, apenas com o título editado, até que eu vi Coragem. O pequeno cão estava olhando pela janela, encarando Fred com uma mistura de medo e malícia em seus olhos.
Coragem se afastou da janela e olhou com raiva para longe… Então ele começou a ter flashbacks. Toda aquela merda que ele sempre teve que aturar, todo o terror, todos os abusos… Agora desabavam.
Coragem estava chorando em seu estilo frenético e animado, enquanto ele corria pelas escadas e para o porão. Ele começou a revirar um baú, lançando vários objetos (uma máscara feia, uma cabeça encolhida, e outros objetos recorrentes do desenho, num estilo perturbador), até que ele puxou uma espingarda de dois canos, lágrimas ainda escorrendo pelo rosto.
Arrastando aquela coisa para o andar de cima, ele se levantou, mirando-a na porta, com sua pequena patinha no enorme gatilho. A música de fundo com tema de aventura começou a tocar, porem, o vídeo ainda estava sem efeitos sonoros.
Muriel então desceu animadamente as escadas (eu imaginei que a campainha havia tocado, como eu não conseguia ouvir nada), girou a maçaneta e abriu a porta para cumprimentar seu sobrinho.
Lá estava Fred, com seu largo sorriso e cabelo bagunçado, parecendo tão esquisito como nunca. Ele abriu a boca para falar, olhou para baixo, e viu Coragem ali, com a espingarda tremendo e mirada para seu peito. Um olhar de choque e medo apareceram no rosto de Fred, antes que um tiro ecoasse pela casa.
E quando eu digo “pela casa”, eu quero dizer a MINHA casa. O tiro era a única coisa com som além da música, e eu caguei um tijolo.
Eu esperava que uma bandeirinha escrito “bang” saísse da arma, mas não… Fred cambaleou e caiu para trás enquanto um sangue de cor vermelho-cereja começou a jorrar de seu peito, pulverizando tudo na sala da casa. Fred caiu no chão, morto. Muriel começou a chorar. Coragem olhava horrorizado para o que ele tinha feito, e então correu para o banheiro no andar de cima. Ele logo foi trancado lá dentro, do jeito que acontece no episódio normal.
Neste ponto, eu estava um pouco chocado. Aquilo era muito perturbador, até mesmo para aquele desenho. Nos próximos minutos, Coragem ficava sentado no chão, aos prantos e com a pele toda manchada de sangue. Então, as palavras começaram a chegar através de meus alto-falantes, baixas e lentamente.
“Olá, novo amigo.”
Coragem olhou pra cima, olhou ao redor e não viu nada.
“Meu nome é Fred.”
Coragem se levantou e virou-se para todos os lados. Ele foi até a janela, tentando descobrir donde vinha aquela voz. Muriel e Estácio puderam ser vistos arrastando o corpo para o caminhão do Estácio, um rastro de sangue escorrendo por trás dele. Muriel ainda estava chorando.
“As palavras que você ouve estão em seu pensamento.”
Coragem se afastou da janela, olhando para a espingarda ao lado dele. Os flashbacks voltaram; todos os chingamentos, todas as vezes que ele arriscou a vida para não receber nenhuma recompensa em troca, todas as coisas horríveis que havia visto. Todas as coisas que Estácio tinha feito com ele, mesmo depois de tudo que ele passara.
“Fred é meu nome neste momento.”
Coragem pegou a arma, equilibrando o cano no peitoril da janela, e mirou para a cabeça de Estácio.
“E você foi muito…”
Coragem apertou o gatilho. Em uma fração de segundo, a cabeça do Estácio explodiu em vários pedaços, junto com uma explosão nojenta de sangue. E ele derrubou o corpo de Fred, e seu próprio corpo caiu em cima dele.
“Cruuuuuueel…”
Muriel gritou silenciosamente. Entretanto, não houve um barulho de um tiro desta vez; o áudio ainda estava mudo, exceto pelo poema assustador.
Enquanto Coragem virava a arma contra sua própria cabeça, eu desesperadamente puxei o cabo da tomada. Eu me levantei, andando pela sala completamente perturbado. A carta de suicídio do meu amigo dizia apenas a palavra “Cruel” dezenas de vezes.
“Olá, meu novo amigo.”
Eu pulei de susto. Pensei ter deixado os alto-falantes ligados, e apenas ter desligado o computador. Porem, o vídeo também havia parado, então aquilo não fazia sentido.
Voltei para desligar os alto-falantes, quando vi que eles já estavam desligados.
“Meu nome é Fred.”
Eu tinha desligado-os após o primeiro tiro de espingarda… Muito antes de ter começado a ouvir o poema.
“As palavras que você ouve estão em seu pensamento.”
Elas estavam na minha cabeça. Estavam na minha cabeça desde que eu comecei a ver esse vídeo.
Não posso aguentar mais. Estou ficando louco… Ou já enlouqueci, eu suponho… Ou talvez eu tenha apenas ficado muito mal.
Isso é demais pra mim. Eu estou indo agora. Tinha que dizer a alguém, então eu estou te dizendo…
Adeus, meu amigo, pois morto estarei.
Uma bala em minha cabeça agora eu colocarei.
Fico feliz que você leu tudo o que eu disse.
Mas, agora, devo fazer uma coisa muito…
Cruuuuueel…